A Sinodalidade é o que fará acontecer a Igreja em Saída, mas o laicato precisa mudar de atitude
por João Santiago
Tenho dito repetidas vezes nos últimos anos, sobretudo a partir de reflexões e estudos do CEBI, que a Igreja Católica e o cristianismo como um todo, precisam aprender com as Comunidades e com os Povos Tradicionais, algumas lições importantes. Aprender sobre a vida em comunidade; sobre a relação com a Mãe Terra; sobre Ecologia; sobre Bem Viver e sobre Escuta e Diálogo e sobre Espiritualidade. Lendo o Documento Final (58) da CNBB, sobre o Sínodo da Amazônia, senti uma incrível sensação de estar no caminho certo. “A sinodalidade é o modo de ser da Igreja Primitiva (At 15) e deve ser o nosso” (CNBB, doc. 58, Nº 87). E o que é Sínodo e o que é a Sinodalidade?
Para uma Igreja fortemente hierarquizada, em que se naturalizou uma relação verticalizada e autoritária e de dependência, primeiro é preciso convencer as pessoas de que isso é possível. Depois, todos teremos que nos esforçar para tornar isso possível. A mudança de mentalidade do laicato, no entanto, é decisiva para, alcançando a maturidade cristã, conduzir a Igreja à Conversão Pastoral. Seria uma ingenuidade acreditar que, o clero por si só, mudaria um comportamento confortável e enraizado por séculos. Seria ignorar tudo o que descobrimos e aprendemos sobre nós mesmos, como seres humanos nesta nossa passagem pelo planeta azul. É sempre bom lembrar o Mestre Paulo Freire e sua frase pastoralmente esperançosa e revolucionária. “Mudar é difícil, mas é possível”. Respondendo a nossa pergunta, “ser sínodo é seguir juntos o “caminho do Senhor (At 18,25)”. Este, no entanto, é um sonho antigo cantado na Igreja. “Agora é tempo de ser Igreja, caminhar juntos, participar”.
Para caminharmos juntos existem algumas exigências básicas: em primeiro lugar, é preciso que quem estiver no comando saiba desapegar-se do controle de tudo! Abrir mão de dizer sempre a última palavra. De condicionar as atividades à sua presença. A mãe e o pai são os mestres que ensinam o filho a caminhar. Seguram-no pela mão, até forram o entorno por onde ele vai se mover, mas chega um momento em que é preciso acreditar, confiar. É preciso deixá-lo cair algumas vezes. Cair faz parte do aprender a caminhar. A gente só aprende a caminhar direito, depois que aprende a cair. É como andar de bicicleta. É como praticar qualquer arte marcial. É caindo que a gente aprende, primeiro a equilibrar-se e a se levantar, e depois a se manter em pé e a derrubar o oponente. Em segundo lugar, é preciso acreditar que a outra pessoa é capaz. Isso significa deixá-la errar do jeito dela, cometer seus próprios erros, ao invés de repetir os erros da gente. A sinodalidade, como objetivo da Igreja, vista como “fiel a Cristo e guiada pelo Espírito Santo (CNBB, Doc. 100, Nº 105), “De mãos unidas para cuidar” (CF2020, Nº 96), “Instituída por Cristo com vários ministérios” (LG Nº 18), carece de um novo paradigma, onde a Paróquia seja efetivamente, “Uma comunidade de comunidades” (Doc. 100, Nº 134; DAp Nº 170), “Centros de irradiação missionária em seus próprios territórios” (DAp Nº 306).
Tenho repetido igualmente a expressão, “Igreja que escreve e Igreja que faz”, porque, a Igreja que escreve, é o clero. É certo que não significa que seja a Igreja clericalizada. Não! Inclusive, o projeto escrito é muito bom! É impressionante que o que escreve a CNBB e, sobretudo o Papa Francisco, não seja o fruto de uma exigência do laicato ou mesmo de sua participação. Se não escrito por ele. Acontece que a Igreja que faz, sobretudo através das pastorais e das Comunidades Eclesiais de Base, age como se não existisse o que está escrito. Simplesmente porque o desconhece. Aqui, quem escreve é quem pensa, é quem decide e é quem manda. Somos uma religião do Livro vivida numa Igreja que se alimenta mais da palavra do clero do que Palavra de Deus. Muitas vezes estas são diferentes, contraditórias, inconciliáveis até. O nosso processo de aprendizado é predominantemente oral, carente de testemunhos, por mais que eles existam e sejam eloquentes! Apesar de anônimos ou acontecerem frequentemente à revelia do clero. Distantes dos templos e altares. Como se fossem uma rebeldia do Espírito Santo. Senão, vejamos: onde foi o assassinato de Irmã Dorothy? De Chico Mendes? De Marielle? De Padre Josimo? De Santo Dias? De Frei Tito?
Para que aconteça a Sinodalidade é preciso reduzirem-se os abismos relacionais entre o clero e o laicato. E para isto, é o laicato que tem que se mexer. Começar a escrever, a registrar e a partilhar experiências, tornando-as públicas, para que sejam vistas e conhecidas. Isso começa estudando. Fazendo teologia. A visão de mundo, de ser humano, de Igreja e de Deus, do laicato enriquecerá o clero, a Igreja e o próprio conceito de Reino de Deus. Para isto, é preciso estudar teologia, conhecer a Doutrina Social da Igreja, assumir o protagonismo pastoral. Por vezes é difícil acreditar que as reuniões das pastorais são frequentemente adiadas ou canceladas por que o Padre ou o Diácono não podem ir. Ou isto não acontece? E nem sempre isso acontece por vontade deles.
As Comunidades Eclesiais de Base – CEBs têm dado um exemplo de engajamento nas causas sociais, nas questões políticas e mantido acesa a chama profética na Igreja. Isso é fato. Às vezes ao menos a cinza quente. Mas precisam se fazerem alguns questionamentos, ouvirem mais os passarinhos, os sapos, ou silenciados e as ruas. Por exemplo, a metodologia utilizada pelas CEBs está contribuindo mais para uma Igreja em Saída ou está legitimando a permanência do povo sob o conforto dos templos? Está gerando uma Igreja itinerante, caminheira, nômade em certa medida, ou está fortalecendo a paroquialização em que o que existe é o que acontece sob o comando do Padre ou do Diácono? Sem uma mudança de mentalidade, sem uma teologia leiga, sem mudar o paradigma de Igreja, quaisquer tentativas de mudança, como o próprio diaconato ou a ordenação de mulheres, significará apenas um pouco mais do mesmo.
Os eventos, as atividades, inclusive os Encontros Intereclesiais, estão sendo um meio, uma ponte entre um aqui e um acolá, ou têm um fim em si mesmos? Em que medida as CEBs são leitoras, estudantes, meditantes e seguidoras da Palavra de Deus? O anúncio e o testemunho costumam andar juntos. Aliás, as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da CNBB 2019-2023, dizem, “O testemunho e o anúncio rejuvenescem a Igreja” (DGAE, Nº 11). Queremos uma Igreja jovem? Que sabe a linguagem de nosso tempo? Ou sentimos saudades do século XX? Qual tem sido, por exemplo, a contribuição das juventudes – Já que o Oitavo Intereclesial do Regional Sul2 tem como tema, “CEBs: Igreja em Saída, na defesa da vida das Juventudes?” Em que medida o encontro será feito com a Juventude e não para ela? O que nós estamos fazendo de todo o acervo de testemunho de anúncio, de denúncias e vivências proféticas das gerações passadas? Já temos o como fazer, basta tomarmos a decisão de agir. Apenas um exemplo, “A teologia do laicato começou a ser resgatada graças à atuação dos leigos, em modo particular no seio da Ação Católica Especializada” (BRIGHENTI, 2016, p 32). Cadê essa teologia?
O diálogo, de certa forma, é uma relação dialética entre um falante e um ouvinte que alternam as funções a cada instante. O falante fala e se torna ouvinte e este, ouve e se torna falante. Ao final, ambos devem sair diferentes, enriquecidos. O que não pode ocorrer é que um destes saia convencido pelo outro que este é que está certo. O que falamos? Para quem falamos? Falamos o que a “plateia” quer ouvir, para afagar os seus ouvidos e para ganhar aplausos e outras vantagens? Trocar mensagens entres os egos, de modo que não haja conflito? E não havendo conflito, não há também mudança de mentalidade. E sem mudança de mentalidade não poderá haver conversão. E sem conversão, tornamo-nos papagaios, tagarelas fazendo tagarelices e confundimos a profecia com a propaganda de alguma coisa ou de alguém. Ignoramos frequentemente a comunicação interpessoal. Falamos para nós mesmos e ouvimos a nós mesmos, com linguagens, vocabulários e paradigmas do século passado. Por que será que as juventudes não nos entendem e nem mesmo nos
ouvem? Será problema com elas?
A metodologia e a didática das CEBs, assim como das pastorais, são, grosso modo, um subproduto da metodologia e da didática do clero: alguém que faz comunicados para alguém. É preciso investir nas pessoas, na atualização teológico-pastoral. É preciso começar a perguntar: qual é o investimento que Igreja faz (a partir das paróquias, das dioceses e das faculdades católicas), na formação de lideranças leigas? A resposta a esta pergunta, se sincera, além demostrar qual é o real lugar do laicato na vida da Igreja, comparado com o que dizem os Documentos e o que deseja o Papa Francisco, também nos mostrará o quão distante ou próximo estará a sonhada e necessária mudança de mentalidade. Um dos organizadores da belíssima obra “Dicionário Paulo Freire”, o professor da UNISINOS, Danilo R Streck, professor convidado para a minha banca de defesa de mestrado, ao falar sobre a identidade de Freire, com a Teologia da Libertação, diz: “(…) Nesse sentido, diz Freire, as Igrejas não podem refugiar-se numa pretensa neutralidade, mas assumir o seu papel profético de denúncia e de anúncio. A Páscoa – a morte e a ressurreição – precisa ser existenciada na concretude da vida e da história” (Autêntica, 2010, p 180). Qual é a teologia das CEBs? Qual é a teologia das pastorais? É possível responder a esta pergunta, ou ela é desnecessária? Qual seria a nossa resposta, caso, a exemplo de Filipe ao etíope, alguém nos perguntasse, com relação à Palavra de Deus ou aos Documentos da Igreja: “Você entende o que está lendo?” (Ver At 8, 26-40).
Curitiba, 23 de janeiro de 2020.
João Santiago é Teólogo, Poeta e Militante.
Autor do livro “Teologia Pastoral – A Arte do Seguimento e do Discipulado de Leigos e Leigas”.
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