QUE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS ESTÃO MUDANDO NA IGREJA (CATÓLICA). Johannes Gierse, frade menor

                                           PARA A SEMANA DO MEIO AMBIENTE: 

O QUE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS ESTÃO MUDANDO NA IGREJA (CATÓLICA)

 


1.      Rio Grande do Sul “ensina” o que é mudança climática

As enchentes no sul do Brasil não são as primeiras, mas com certeza, representam a maior catástrofe vista no estado de Rio Grande do Sul: 85 % do território, e conseguinte, da população urbana e rural, 85% da agricultura, da indústria, da infraestrutura e das escolas etc. foram atingidos pelo dilúvio. Embora pouco tenha se comentado, mas temos que supor que também 85% da Igreja (católica e demais cristãs) foram afetados: igrejas-construção (matrizes, capelas, centros comunitários, casas paroquiais, etc.) e Igreja-povo (as moradias dos paroquianos).

 

Rio Grande do Sul nos ensina a força violenta das mudanças climáticas: seus efeitos destrutivos, mas também suas causas inegáveis. Rio Grande do Sul se torna o divisor de águas na história brasileira? Sim, quando o povo acordar – em estado de choque – para tratar deste assunto como nunca antes. Agora começamos a entender que, para mudar ou mitigar as mudanças climáticas, precisamos de uma profunda conversão ecológica que consiste numa mudança de mentalidade de cada cidadão/cristão e culmina em políticas públicas adequados.

 

No entanto, apesar de tantos desastres acontecidos, aí reside ainda a maior resistência: no Congresso Nacional, nas Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais supostamente por causa da corrupção entrelaçada entre o poder político e econômico. Sendo assim, a reconstrução do Rio Grande do Sul está extremamente dificultada não só pelas incertezas climáticas, como ainda pelas políticas.      

 

Uma outra “incógnita”, não menos interessante, é a pergunta o que “Rio Grande do Sul” – palavra-sinônima que diz que a mudança climática chegou a pleno vapor – ensina à Igreja ou às igrejas? O clero e os leigos começam a refletir sobre os impactos que o “novo clima” causa na sua vida e missão? Mas, antes, vamos lembrar…

 

2.      O que a Igreja (católica) têm feito até agora?

Desde 2013, ano de sua eleição, papa Francisco colocou “o cuidado da Casa Comum” no topo de sua agenda pontífice-missionária, o que seus antecessores nunca fizeram: Laudato sí (2015), Encontros com os Movimentos Populares (Terra-Trabalho-Teto), Sínodo da Amazonia (2019), Fratelli tutti (2020), incentivo à Economia-de-Francisco-e-Clara (2021).

No Brasil, entre 2002 e 2017 seis Campanhas de Fraternidade trataram de temáticas socioambientais; a CF 2025 terá como tema “Ecologia Integral”. Algumas Dioceses e paróquias implantaram a Pastoral da Ecologia; e algumas Congregações Religiosas assumiram o serviço “Justiça, Paz e Integridade da Criação” como eixo de sua missão.

No entanto, essas sementes do tamanho-grão-de-mostarda foram plantadas muito tarde, sem sistema ou às vezes mal regadas. A Igreja (católica) há de admitir uma defasagem (do tamanho do Brasil) entre a preocupação ecológica no nível do discurso e pouca mudança real nos comportamentos e nos desejos.

No entanto, o Credo no Pai-criador do céu e da terra, no Seu Filho, por quem e para quem tudo foi criado, e no Espírito Santificador já seria por si mesmo uma razão suficiente para ser responsável no cuidado da criação, e não por causa de catástrofes…  

 

Pode-se observar que há mais guardiões e guardiãs socioambientais fora da Igreja do que dentro dela. Hoje, nos cursos de formação online e nos lives que tratam da questão socioambiental, a constatação é uma só: Como sensibilizar os fiéis que estão indiferentes ou inertes? Como envolver as juventudes que são as primeiras a se interessar pelo seu futuro? Qual a metodologia certa? Portanto, assim como sobre os políticos pesa a culpa da omissão, também os cristãos precisam se questionar se se tornaram cúmplices da crise ambiental e climática! Se não é pelo amor à criação, à Casa comum, que acordamos, então nos resta a seguir o caminho da dor…

 

3.      Como as mudanças climáticas afetam a vida da Igreja    

Os cristãos (católicos) estão sofrendo com as mudanças climáticas como qualquer e todos os cidadãos/cidadãs da terra – ninguém é uma ilha. Em nível local ou regional, as consequências se fazem sentir por enchentes, temporais e furacões que destroem a estrutura física de Igrejas, Centros e casas paroquias, projetos comunitários, como ainda as residências e os locais de trabalho dos paroquianos, entre os quais muitos dizimistas e benfeitores. Consequentemente, os custos de vida vão aumentar ainda mais. Tudo isso afeta o dizimo, as doações que o povo gosta de fazer em prol de sua comunidade. É provável que alguns paroquianos se sentirem obrigados a migrar para outras regiões, pois a migração climática é um fenômeno global cada vez mais forte.

No entanto, o maior impacto das mudanças climáticas é o aquecimento global: todos e todas estamos ‘afetados’ por um calor permanente (o ano todo) e cada vez mais crescente. O limite de 1,5º C estipulado pelo Acordo de Paris já foi alcançado; na Europa, o aquecimento já está 3º C acima da média global. A Índia e o Paquistão (cerca de 1.600 milhões pessoas, 20% da população mundial) estão atualmente numa fornalha de calor de 50º C. As múltiplas e complexas consequências do aquecimento da atmosfera causam cansaço físico e psíquico, doenças e mortes prematuras, falta de água, insegurança alimentar etc.

Considerando que contra as mudanças climáticas não há vacina, nem máscaras, mas somente a solução de suas ‘causas causadas’ pelo ser humano, as implicações concretas para a vida da Igreja são mais ou menos essas:

 

·         que cada cristã e cristão reveja seus hábitos (nocivos) de consumidor (o que e onde fazer compras) e eleitor (votar em políticos verdadeiramente comprometidos com a preservação do meio ambiente);

 

·         que as Igrejas-Matrizes e igrejas/capelas grandes com ar condicionado se tornam ‘bolhas de bem-estar’ favorecendo ainda mais a dicotomia entre a vida real lá fora e vida de fé aqui dentro;

 

·         que as novenas celebradas ao ar livre, uma solene vigília pascal ou a procissão de Corpus Christi podem ser afetadas por um calor abafado e angustiante, ou uma tempestade repentina;

 

·         que as salas de reuniões da Legião de Maria, da Catequese etc., onde só têm ventiladores, se tornam em certos horários insuportáveis para serem usadas;

 

·         que todos estes impactos na vida humana, trazem automaticamente também impactos financeiros para as comunidades e paróquias;

 

·         e que o pior que está a acontecer é que o calor não seca somente a terra e os rios, mas também nossas mentes, o espírito de oração: as celebrações litúrgicas se tornam estressantes e, no mínimo ambivalentes, pois o calor sufoca a concentração e a alegria: como cantar “Viva, viva São Francisco!” ou “Vê Teu povo que em festa Te aclama, Virgem Santa!”, se o mundo pega fogo?

 

Não cessa a pergunta: “Senhor, o que queres que eu faça?” Como lidar com essa realidade deprimente? Conformar-me? Aceitar que a população de um estado inteiro está submersa num dilúvio, e 1.500 km distante acontece na praia de Copacabana o show da Madonna? Aceitar que enchentes e secas convivem simultaneamente com a Copa da Europa e as Olímpiadas em Paris?

Nestes dias, eu tive um pensamento bastante estranho, mas quanto mais olho, mais sentido ele faz: Na Alemanha nazista (1933-1945), quando os judeus, os cristãos que confessaram sua fé (bispo luterano Dietrich Bonhöfer; carmelita Edith Stein) e outras pessoas consideradas ‘descartáveis’ foram deportadas aos Campos de Concentração para morrer asfixiadas nas câmaras de gás, elas não se revoltaram (com exceção da revolta do gueto de Varsóvia, em 1943); simplesmente emudeceram como ovelhas diante do matadouro. Mesmo numa situação tão desumana, nunca deixaram que os opressores matassem também seu coração humano: ofereceram um sorriso ou partilharam um pedaço de pão. – Será que hoje, a humanidade está na “câmara de gás”? Como cristão, resta de adaptar-me sorrindo e partilhando o que ainda tenho, ou…

 

4.      Há esperança cristã para uma conversão criacional-ecológica?

A resposta a esta pergunta depende de outra pergunta: Em que Deus os cristãos acreditam? Quem se deixa seduzir pela fé de que “Deus está no comando da história” e que “futuro está nas mãos de Deus”, desobriga-se da responsabilidade com seus atos e opções no presente. Não é de forma mágica que Deus nos salva; a salvação acontece por um ato gratuito e amoroso entre o Divino e o ser humano. Os hebreus, guiados por Moises, tiveram que ter confiança no Deus do Êxodo, quando o mar ainda estava fechado. Portanto, ao nos criar para a liberdade, Deus assumiu o risco de que a história pudesse terminar em fracasso…

Então, qual é o "papel" de Deus ou da fé em Deus Amor-Liberdade na luta ecológica? Assumir a ambiguidade da história e do ser humano, a possibilidade de que a história possa terminar em caos e que Deus possa ‘falhar’ no seu plano de salvação da história, é uma condição para que a luta ecológica tenha sentido e eficácia”, afirma o teólogo católico brasileiro Jung Mo Sung.

Deus nos fala através das realidades: crer e orar é ser responsável e atuante, sempre! O lixo na praia, a palmeira de babaçu derrubada, a fumaça da queimada no horizonte, o agrotóxico jogado sobre populações e territórios: o olhar do Deus vivo e único pousa sempre sobre mim e espera minha resposta.

A ‘mística dos olhos fechados’, do fechar dos sentidos para o mundo real não entrar, não é experiencia de fé, é sinal de desobediência e irresponsabilidade. Por este motivo, a religiosa austríaca Ir. Drª Martha Zechmeister CJ alerta: “A história mostra que quando uma certa configuração da Igreja fica entrelaçada com e dependente de uma cultura decadente, ela mesma entra em crise e chega ao fim.”  

Só haverá esperança cristã, se houver conversão ecológica ou criacional: olhos e mãos abertas para curar as feridas sangrentas da mãe Terra. A Igreja, além de celebrar, meditar e aprofundar sua íntima relação de fé com Deus, ao mesmo tempo precisa constantemente responder qual o seu papel, sua missão, no mundo atual.

Já dizia o Vaticano II: “Trata-se, com efeito, de salvar a pessoa do homem e de restaurar a sociedade humana… o homem na sua unidade e integridade: corpo e alma, coração e consciência, inteligência e vontade” (Gaudium et Spes, 3).

“Rio Grande do Sul” – que virou o sinônimo da grave crise ambiental e climática – é o chamado inconfundível de Deus para que não esqueçamos o amor que alimenta a imortal esperança, sobretudo…

 

Quando as forças da morte,

parecem mais fortes que o Evangelho da vida,

arrastando sofrida a infeliz multidão.

Deus em nós seja o trigo, que ao morrer faz viver;

e no amor de Maria, Mãe Imaculada, bem e luz vencerão.

As comunidades cristãs (católicas e demais), reunidas no amor sinodal, fazem bem em refletir sobre os impactos das mudanças climáticas e se organizar para esperançar sua superação ou mitigação (e não apenas instalar mais ar condicionadores). “Cessem, portanto, as palavras e falem as obras. De palavras estamos cheios, mas de obras vazias”, diz Santo Antônio. Eis algumas sugestões de obras urgentes:

 

·         promover a educação ou catequese ecológico-criacional;

·         incentivar projetos e campanhas ambientais: energia solar, reflorestamento, horta comunitária;

·         unir-se e fortalecer os movimentos populares no combate às queimadas, ao desmatamento e ao gás Xisto (Fracking) lutando por energias boas;

·         denunciar a pulverização de agrotóxicos e frear o avanço do agronegócio;

·         apoiar os povos tradicionais nas lutas por território e dignidade;

·         reivindicar, junto ao poder público, a implementação da política pública de educação ambiental, como ainda pelas “Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida” nas escolas;

·        

Coragem! Não tenhamos medo ou dúvidas, não nos omitamos! Sua e nossa missão de cuidar da Casa comum está fundamentada, inspirada e abençoada pela Encíclica Laudato sí! Confira o capítulo V sobre “Algumas linhas de orientação e ação”, especialmente os números 177 a 188.

 

Deus em nós seja trigo para que mudemos as Mudanças Climáticas! 

Bacabal, na Semana do Meio Ambiente 2024 - Johannes Gierse, frade menor

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