O dia 7 de setembro sempre foi marcado por desfiles militares e por desfiles de escolas e repartições públicas. A lógica e o ritual militar de obediência e submissão dão o tom desse tipo de celebração: “Marcha, soldado cabeça de papel. Se não marchar direito, vai preso pro quartel”. E as multidões enchem as ruas para assistir e aplaudir esse espetáculo militarista de obediência e submissão que se traduz em passividade e conformismo políticos. Trata-se, no fundo, de um patriotismo elitista, indiferente às profundas injustiças e desigualdades sociais, que gera passividade política e serve para justificar e naturalizar os interesses e privilégios das elites.
Desde 1995 celebramos nesse dia o Grito dos Excluídos e das Excluídas. Uma forma verdadeiramente cidadã de celebrar o dia da Pátria: denunciando as mais diversas formas de injustiça e negação de direitos; celebrando as lutas e conquistas do nosso povo; mobilizando e reunindo igrejas, movimentos populares, grupos e pessoas na defesa dos direitos humanos e da justiça socioambiental. Expressão e fermento de verdadeiro patriotismo: unidade na busca do bem comum; construção de um povo, mediante conquista e garantia de direitos para todas as pessoas.
A ideia nasceu no final da 2ª Semana Social Brasileira – “Brasil, alternativas e protagonistas” (1993-1994). A primeira edição do Grito, inspirada pela CF-1995 “Fraternidade e Excluídos”, teve como tema: “Vida em primeiro lugar” e mobilizou muitas comunidades, pastorais, grupos, organizações e movimentos populares pelo país afora. O Grito dos Excluídos e das Excluídas é um projeto vinculado à dimensão sociotransformadora da CNBB e construído em parceria com vários movimentos e organizações populares. Seu objetivo maior é a defesa da vida, denunciando as negações de direitos e animando e fortalecendo comunidades e grupos excluídos/as na luta por seus direitos: saúde, educação, habitação, trabalho, segurança alimentar, água, lazer, segurança pública e o combate as violências policiais…
O Grito é um evento/ato com local, data e hora. Mas um evento/ato que está ligado a processos de organizações e lutas por direitos. E isso faz toda diferença. É um evento/ato dentro de um processo. Ele dá visibilidade aos problemas e as lutas nos territórios. Leva para as ruas problemas e lutas invisibilizados e silenciados. Faz ecoar os gritos que vêm das periferias. Dá voz e visibilidade a sujeitos marginalizados. Convoca e reúne pessoas em torno dessas causas. Canta e celebra essas lutas, conquistas e resistências. E, nesse sentido, fortalece os processos de lutas e organizações populares em nossos territórios. Não é um fato isolado, mas momento de um processo. É verdade que a maioria das pessoas que participam do Grito não participam diretamente dessas lutas e organizações. Mas é verdade também que o Grito, além de dar visibilidade aos problemas e às lutas, sensibiliza pessoas e a sociedade para essas situações. E isso é muito importante para o fortalecimento das lutas e organizações em nossos territórios.
O tema geral é sempre o mesmo: Vida em primeiro lutar. E o lema chama atenção para um aspecto dessa causa primeira e maior que é a vida. Em 2024, trigésima edição do Grito, o lema é: Todas as formas de vida importam. Mas quem se importa? Chama atenção para a banalização da vida que produz o que o Texto-Base da Campanha da Fraternidade desse ano chama “síndrome de Caim” e o Papa Francisco tem chamado “cultura do descarte” ou “cultura da indiferença”. E isso, tanto nas relações entre as pessoas, como na organização política e econômica da sociedade. São tantas as negações de direitos em nossa sociedade. São rostos bem concretos: pobres e famintos, negros, indígenas, sem-terra, catadores/as de material reciclável, população em situação de rua, sem teto, periferias urbanas, encarcerados, mulheres, pessoas lgbtqiap+, idosos, pessoas com deficiência etc. A lista é enorme! “Mas quem se importa”?
O Gritos dos Excluídos e das Excluídas, vale repetir, é ocasião privilegiada para fazer ecoar esses gritos e dar visibilidade e fortalecer as lutas por direitos em nossos territórios. Não podemos nos render e/ou cruzar os braços. Como insistia nosso profeta Pedro Casaldáliga, “nem por humanidade, nem por fé religiosa, poderemos aceitar algum dia a fatalidade como destino ou a exclusão como programa social”. Isso que vale para qualquer ser humano (senso de humanidade), vale ainda mais para os crentes em geral e para os cristãos em particular (fé religiosa). O amor a Deus se concretiza no amor ao próximo (1Jo 4,20-21) e se mede no compromisso com os caídos (Lc 10, 25-37), com os pobres e marginalizados (Mt 25,31-40).
Vida em primeiro lugar!!!
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